domingo, 31 de julho de 2016

Histórias da Casa Branca: Hillary, a «change maker»


TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 27 DE JULHO DE 2016:

Bill Clinton assinou um dos grandes discursos da Convenção Democrata, contou (como só ele sabe fazer) a história de como conheceu em Yale, «na primavera de 1971», a mulher que viria a tornar-se a primeira a ser nomeada presidencial de um grande partido do sistema.
Em todos os sítios onde esteve, Hillary mudou as coisas para melhor. Fê-lo como nunca vi ninguém fazê-lo. Nas atuais circunstâncias da história, para este momento em concreto, ela é a melhor candidata possível. A mais qualificada para o que se exige e para o que é preciso. Hillary é uma change maker."
A plateia da Convenção, que no primeiro dia chegou a ter uma percentagem grande de descontentes e revoltados pela forma como Hillary foi beneficiada pelas estruturas do partido, rendeu-se finalmente. Bill, em discurso poderoso e inspirador, apresentou de forma brilhante o caso a favor da sua mulher.
E sem nunca precisar de nomear Trump, foi pontuando a sua narrativa com elogios a Hillary que contrapunham, na perfeição, com os defeitos de Donald: "Sem se preocupar com as luzes da ribalta, sem saber se havia câmaras de televisão, Hillary conseguiu mudar as coisas para melhor. E fê-lo sendo mãe, e sendo esposa, e sendo advogada. Tendo uma carreira profissional e política."

Noutras "farpas" ao nomeado republicano, Bill lembrou o trabalho feito por Hillary com mulheres e jovens deficientes: "Ela puxava pelo melhor deles, mostrando as capacidades que eles tinham. Não se ria com as deficiências que poderiam apresentar". E o mesmo em relação ao trabalho feito por Hillary, enquanto senadora, no Comité de Defesa e Forças Armadas: "Ela sempre soube que os nossos veteranos de guerra são heróis e são exemplos, não são falhados ou derrotados".

Desenvolvendo uma estrutura de discurso muito peculiar, que só ele sabe fazer com aquela mestria, começou no estilo storytelling e só a meio foi exibindo trunfos e vitórias políticas e profissionais de Hillary. Cativados pela parte pessoal da história, os delegados democratas ficaram, assim, mais propensos a aplaudir as partes em que apareciam os aspetos mais políticos -- uma estratégia brilhante de Bill, para terminar de vez com as desconfianças do setor progressista, afeto a Bernie Sanders, com o apoio a Hillary.

Numa eleição em que Hillary está a ser rotulada de «candidata do sistema», «herdeira do establishment» e «perpetuada no poder há várias décadas», em contraponto com um Donald Trump que se reclama a «voz de quem quer mudar o establishment», esta forma hábil e bem construída de Bill Clinton apresentar a esposa como uma «change maker» pode ajudar na ideia forte que a candidata democrata tem que desenvolver nos próximos três meses: a de que, ela sim, consegue mudar as coisas para melhor, ela sim será a «change maker» que os americanos pretendem.
 
O «caso de Bill» por uma Hillary «change maker» foi o momento alto do segundo dia ("ela fê-lo em todo os sítios onde passou na vida", repetiu o 42.º Presidente dos EUA, "acho que se alguém a deixasse um dia num sítio inóspito e voltasse uns tempos depois, esse local teria ficado bem interessante e construtivo, graças ao seu poder transformador"), mas houve também Madeleine Albright, a primeira mulher a chefia a diplomacia americana (1997-2001, segundo mandato de Bill Clinton) a decretar em favor de Hillary: "Conheço-a há 25 anos e continuo a ficar impressionada com a sua preparação e capacidade. Não tenho dúvidas de que ela é a pessoa certa para o cargo de Presidente dos EUA nesta altura".


E também Madeleine teve uma «indireta» a Trump, insinuando que se Donald vencesse Putin se ficaria a rir: "Como é possível que haja americanos que pensem votar num candidato que diz que 'em matéria de liderança daria um A a Vladimir Putin'?"

«Girl on Fire» - Hillary depois de 44 homens

Meryl Streep foi ao palco recordar a luta de várias mulheres para serem as primeiras na história nas respetivas funções. Alicia Keys cantou «In Common» e antes exortou "os apoiantes de Bernie e os apoiantes de Hillary a unirem-se finalmente".


Foi o aquecimento para outro grande momento da noite em Filadélfia: no videowall passaram, de forma rápida, 44 rostos masculinos. O primeiro foi o de George Washington, o último deles foi o de Barack Hussein Obama. E logo a seguir a verem-se todos os presidentes da história americana, apareceu em grande plano Hillary Clinton, impecavelmente penteada e de vermelho, enquanto passava a música «Girl on Fire».

O público foi ao delírio, Hillary, em direto e à distância, falou à Convenção agradecendo a nomeação e lembrando que "se quebrou finalmente o teto de vidro", numa referência a ser a primeira mulher nomeada. A candidata deixou de aparecer em grande plano e passámos a ver que ela estava acompanhada de várias raparigas americanas, de diferentes idades e origens. "A partir de agora, todas elas podem sonhar com tudo", exortou Hillary.


Antes disso, na convenção passaram vários testemunhos de familiares de vítimas ou de sobreviventes do 11 de Setembro de 2001, para passar a ideia de que Hillary, enquanto senadora por Nova Iorque,"ajudou e esteve lá sem nunca cobrar por isso". E até houve críticas à forma como Donald Trump, enquanto grande empresário nova-iorquino, não ajudou as vítimas do 11 de Setembro, limitando-se a dizer que "as suas empresas e propriedades não tinham sido afetadas".

Ao segundo dia, a Convenção rendeu-se a Hillary e ficou a conhecer trunfos que não estava a apontar à candidata democrata.

Esta noite, o momento alto será de Barack Obama. E espera-se que o Presidente retribua o apoio de Hillary em 2008 com um discurso em que explique as razões que o fizeram, desde cedo, apontar a sua antiga secretária de Estado como a pessoa ideal para o suceder na Casa Branca.





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