terça-feira, 9 de agosto de 2016

Histórias da Casa Branca: Será que Donald já estragou tudo?

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 6 DE AGOSTO DE 2016:

“Não sei como não estamos a liderar as sondagens por muito. A nossa campanha numa esteve tão unida”, Donald Trump, nomeado presidencial republicano.
Que trambolhão, Donald!

O nomeado presidencial republicano terminou a sua convenção com pequena vantagem nas sondagens nacionais, mas não resistiu a uma forte convenção democrata, muito mais unida e mobilizadora na mensagem de uma América positiva e no caminho da recuperação, e está agora a pagar o preço das diatribes que multiplicou nos últimos dias, em tentativa surreal de retomar uma estratégia de ‘quanto pior melhor’, que se revelara particularmente eficaz nas primárias.

Hillary descolou, chega a ter 15 pontos de avanço em alguns estudos (sondagem McClatchy/Marist, 4 de agosto, dá 48% a Clinton e apenas 33% a Trump) e o mapa do Colégio Eleitoral, refletindo as tendências estado a estado, coloca, a três meses das eleições um desequilíbrio político que não se verificava nos EUA desde a reeleição de Reagan: 357-181, desta vez a favor dos democratas, com Trump a perder territórios supostamente conservadores, como a Carolina do Norte.

A candidatura Trump está em choque.

Para tentar minimizar danos, Donald despediu dois assessores, mas há rumores de que, internamente, o próprio Paul Manafort, diretor de campanha que substituíra Corey Lewandowski há pouco mais de um mês, discorda totalmente do estilo ‘off message’ que Donald insiste em aplicar nos seus comícios.

Mas Trump, admita-se, continua a ser Trump. Depois de dizer que que Hillary “é o diabo”, considerou que a adversária “pode ser considerada a fundadora do ISIS”, pelas políticas “desastrosas” que diz ter tido para o Médio Oriente, enquanto secretária de Estado.

Sucede que este tipo de comportamento do nomeado presidencial republicano não está a ter, na corrida à eleição geral, o acolhimento que teve no processo de primárias.

Crescem as vozes, do lado republicano, que defendem uma mudança radical na estratégia de Donald. Gail Collins, no New York Times, em artigo com o título sugestivo "Intervening Donald Trump", aponta: "Será verdade que os republicanos estão a tentar que Rudy Giuliani e Newt Gingrich intercedam junto de um Donald Trump fora do controlo?"

Mas Trump não dá qualquer sinal de querer ir por aí.

Recusou endossar as ca
mpanhas de Paul Ryan, speaker republicano do Congresso (que na terça tem primárias republicanas para a nomeação a congressista no Wisconsin, contra Paul Nehlen, um forte apoiante de Trump) e John McCain, que já chegou a insultar, e que busca mais um mandato como senador no Arizona.
"Gosto de Paul, mas estes são tempos terríveis para o nosso país. É preciso liderança forte. Ainda não estou no ponto de o apoiar”, referiu Trump, sobre Ryan.
Este tipo de comportamento do nomeado republicano faz somar críticas de figuras importantes da direita americana.

Como Newt Gingrich, líder da Revolução Republicana nos anos 90, em pleno consulado Bill Clinton, hoje um dos principais comentadores conservadores da televisão americana.

O que disse Newt sobre Donald? “Trump está a comportar-se como se isto ainda fossem as primárias e houvesse 17 candidatos. Ele não fez a transição para ser um potencial presidente dos EUA, o que é uma liga bem mais dura”, comentou em entrevista à FOX Business. “As pessoas vão vê-lo todos os dias, tudo o que disser e fizer pode ser tirado do contexto, e ele ainda não está a ter um desempenho à altura do que é preciso”.

A questão chave é: algum dia estará? Ou será que, com os devaneios dos últimos dias que levaram à descolagem de Hillary nas sondagens, Donald já estragou tudo?

O Presidente Obama, um dos grandes trunfos da campanha Hillary por estes dias, tem tido posição especialmente assertiva em relação ao tema: «Trump tem que começar a ter um comportamento de presidente. Até agora, não tem tido".

Sinais de vida para Trump

Em grande sondagem nacional NBC/WSJ, Hillary confirma vantagem confortável de nove pontos (47/38), liderando com grande margem entre as mulheres e os negros. Mas Trump aparece à frente no eleitorado branco e nos homens e ainda lidera em alguns ítens importantes para a eleição geral.

Sondagem NCB News/Wall Street Journal (31 julho/3 agosto):
Hillary 47 / Trump 38

Nove pontos de avanço para Hillary, em sondagem que reforça tendência dos últimos dias da forte liderança democrata na corrida presidencial de 8 de novembro.

A mesma sondagem, no entanto, aponta que Trump contincontinua à frente em alguns ítens importantes:

-- Mudar as coisas em Washington: Trump 48 / Hillary 26
-- Lidar com a Economia: Trump 46 / Hillary 42
-- Lidar com o Crime: Trump 44 / Hillary 36
-- Defender a América: Trump 41 / Hillary 39
Hillary lidera nos seguintes temas:
-- Lidar com o terrorismo:  Hillary 44 / Trump 43
-- Lidar com a imigração: Hillary 49 / Trump 39
-- Mudar o país para melhor; Hillary 42 / Trump 36
-- Ser um bom «commander in chief»: Hillary 46 / Trump 35
-- Melhorar a posição da América no mundo: Hillary 47 / Trump 33
-- Ter a capacidade de lidar com uma crise: Hillary 51 / Trump 33


Histórias da Casa Branca: Hillary descola, Trump desatina


TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 4 DE AGOSTO DE 2016:

 
“Pelo menos tenha decência”
KHIZR KHAN, pai do capitão Humayun Muazzam Khan, americano-muçulmano morto em Baqubah, Iraque, ao serviço do exército dos EUA, para Donald Trump


“Chega”
BARACK OBAMA, Presidente dos EUA, para Donald Trump


“As pessoas dizem-me ‘bem, se não vais apoiar Donald Trump, então os republicanos não vão ganhar a presidência’. Bem, os republicanos não vão ganhar a presidência. Neste momento, e estou a ser um republicano egoísta, para a mim a questão é salvar o Senado, é não ser vencido na Câmara dos Representantes, é não ser vencido nas legislaturas estaduais, é não perder corridas para governadores de estado. Dominamos o Senado. Dominamos a Câmara dos Representantes. Dominamos os governos de estado. Temos muito a perder. E ficar a apoiar um tipo que insulta uma ‘Gold Star mother’ e um pai enlutado, isso não é um tipo que nos levará à vitória. A senadora Kelly Ayotte (republicana do New Hampshire) precisa de se distanciar dele. O senador Ron Johnson (republicano do Wisconsin) precisa de se distanciar desse tipo».
JOE SCARBOROUGH, antigo congressista republicano da Geórgia, apresentador e comentador no «Morning Joe» da MSNBC


Ainda faltam 96 dias e é obviamente muito cedo para decretar game over. Longe disso.

Na política americana, uma semana pode ser uma eternidade, quanto mais 13, que é quanto falta para que se defina o sucessor de Barack Obama na Casa Branca.

Mas tendo em conta os dados surgidos após a Convenção Democrata, é legítimo afirmar que, se as eleições presidenciais fossem hoje, Hillary Clinton seria eleita a 45.ª Presidente dos EUA.

O bounce de Hillary pós conclave de Filadélfia foi de pelo menos cinco pontos, mas pode ter chegado aos 10.

Empatada com Trump nas sondagens após a Convenção Republicana, a nomeada democrata inicia esta semana com clara vantagem em todas as sondagens nacionais (nove pontos de avanço na CNN/ORC, seis na CBS News, três na Economist/YouGov, cinco na PPP,  10 na Fox News, 15 na RABAResearch).

Reflexo deste salto geral e consistente de Hillary pós convenção, a antiga secretária de Estado recuperou a liderança em estados decisivos como a Florida, o Ohio e a Pensilvânia, pelo que, no Colégio Eleitoral, a projeção do «FiveThirtyEight», de Nate Silver, dá agora 73% de probabilidade de vitória Clinton (dava 49.9% antes da Convenção Democrata).

Não será, assim, de admirar que Trump diga, agora, que Hillary “é o diabo”.

Foi apenas uma de várias diatribes ditas por Donald nos últimos dois dias.

Os sinais de desespero do nomeado presidencial republicano chegaram a níveis que muitos consideram terem já passado os limites do aceitável.

A subida nas sondagens de Hillary Clinton, e a queda acentuada de Donald Trump, nos últimos três dias ainda não significam game over.

Mas revelam um assomo de bom senso e de esperança no melhor lado dos americanos.

Decorrem da forma extremamente profissional como foi preparada e concretizada a Convenção Democrata, com a investidura de Hillary a ser recheada de grandes discursos políticos (Michelle e Barack Obama, Bill Clinton; sobretudo esses três) e testemunhos de histórias de pessoas reais que beneficiaram com causas e políticas de Hillary nas diferentes funções que a candidata desempenhou em quatro décadas de carreira política e cívica.

E decorrem, sobretudo, de uma penalização do eleitorado que ainda dá alguma importância ao bom senso e à decência, em relação ao comportamento de Donald Trump.

Nos últimos dias, Trump insultou o pai de um soldado americano-muçulmano morto em combate,
ao serviço dos EUA.

Insultou uma ‘Gold Star mother’ que se insurgiu num comício de Mike Pence contra este comportamento de Trump.

Insultou republicanos que até já o tinham apoiado a contragosto (Paul Ryan, o republicano a ocupar o cargo mais elevado neste momento, e John McCain, respeitável senador que foi o nomeado presencial de 2008).

Insultou Hillary Clinton ("é o diabo") e Barack Obama ("é um péssimo presidente, o tipo é um desastre e tem medo que eu seja eleito").

Despediu dois assessores (um deles foi Ed Brookover, um dos seus conselheiros principais, que geriu os delegados que levaram ao triunfo na convenção republicana) e disparou contra os colunistas do New York Times ("escrevem mal, não sabem escrever").

Antecipou um possível insucesso eleitoral por um suposto benefício dos media a Hillary ("receio que estas eleições venham a ser roubadas").

"Get the baby out of here"

 

E, para completar o ramalhete, ainda mandou retirar de um comício uma apoiante que tinha um bebé a chorar (sim, aconteceu mesmo).

Sinais de desespero de um nomeado presidencial que envergonha a tradição do Partido Republicano e causa tremendo desconforto na história dos duelos presidenciais na América.

Até Rudy Giuliani e Chris Christie, dos poucos republicanos de primeira linha que ainda estavam claramente com Trump e o defenderam na Convenção, vieram agora demarcar-se do bizarro candidato.

Rudy comentou: “Donald podia ter lidado melhor com o caso Khan”. Christie andou pelo mesmo registo: “O criticismo de Trump para com os Khan foi inapropriado”.

Começa a crescer um movimento de republicanos a descolar de Trump e a endossar Hillary (só nos últimos dois dias, foram vários, incluindo o congressista de Nova Iorque Richard Hanna, a assessora de Chris Christie, Maria Comella, e a conselheira sénior de Jeb Bush, Sally Bradshaw, para lá de diversos republicanos da área de Defesa, Segurança Interna e Relações Externas que se recusam a votar Trump e admitem que preferem ver Hillary a ganhar em novembro).

As tv's americanas começam a ter alguma dificuldade em formar painéis equilibrados entre apoiantes de Hillary e apoiantes de Trump, pela simples razão de que grande parte dos seus habituais comentadores republicanos e de direita... não apoiam Trump.

Obama arrasa Donald

Poucos dias depois de já o ter feito na Convenção de Filadélfia, Barack Obama voltou a intervir diretamente nesta campanha, acusando Trump de “não ter perfil nem condições para ser presidente dos EUA”.

O atual inquilino da Casa Branca foi mais longe: desafiou os republicanos a retirar o apoio a Donald: “Se muitos republicanos não se reveem no que o candidato diz e faz, se ficam indignados com o seu comportamento, porque continuam a apoiá-lo?”, questionou o Presidente dos EUA.

“O nomeado republicano não se adequa ao lugar de presidente e prova-o repetidamente”, insistiu Barack, em conferência de Imprensa na Casa Branca, ladeado pelo primeiro-ministro de Singapura.
Donald não se ficou a acusou Obama de ser um “péssimo presidente” e de recear ver Trump na Casa Branca.

Sim, se as eleições fossem hoje, Hillary Clinton ganharia claramente.

Mas a ameaça Trump ainda é real.

Os próximos 96 dias vão definir muito mais do que se imagina. Não há espaço para falhar.

É que pode não haver segunda oportunidade para evitar uma "tragédia Trump".

Histórias da Casa Branca: luz ou sombra sobre a colina


TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT,  A 2 DE AGOSTO DE 2016:


"A América que conheço é cheia de coragem e otimismo e inovação. A América que conheço é decente e generosa. Sim, temos inquietações e problemas a resolver. E sentimo-nos frustrados com a paralisação política e preocupados com divisões raciais. Mas o que vejo, ao viajar pelos 50 estados deste grande país, mais do que tudo, é o que está certo nos EUA. A América já é grande. A América já é forte. E garanto-vos: a nossa força, a nossa grandeza, não depende de Donald Trump. Com Hillary Clinton, a América pode ser ainda maior. Ainda mais forte. Porque nunca houve ninguém tão qualificado como ela para exercer a função de liderar este grande país".
BARACK OBAMA, Convenção Democrata de Filadélfia

"Este é um cargo sério. Isto não é 'reality TV'. Vi as decisões que é preciso tomar e o trabalho que tem que ser feito e e tenho muita confiança que, se se recordar ao povo americano o que está em jogo e todos os assuntos incrivelmente importantes em que temos de acertar, então os eleitores farão uma boa escolha. É isso que habitualmente fazem".

"Estou preocupado com o Partido Republicano. A democracia funciona, este país funciona, quando temos dois partidos que são sérios, que tentam resolver problemas e têm diferenças filosóficas e têm debates aguerridos e discutem, contestam eleições, mas o que se quer, no final do dia, é um sistema saudável de dois partidos. Quer-se que o Partido Republicano nomeie alguém que seja capaz de fazer o trabalho se ganhar. E quer-se pessoas que compreendam os assuntos e com quem seja possível sentar-se à mesa com discussões de princípio e, em última análise, continuar a ser possível fazer progredir o país".
BARACK OBAMA no programa «Tonight Show» de Jimmy Fallon, na NBC


A 98 dias das eleições presidenciais nos EUA, as expetativas dificilmente poderiam ser mais altas.
É costume dizer-se que a próxima eleição é “a mais importante de sempre”. Mas, desta vez, parece que é mesmo verdade.

Nunca se terá assistido a uma disputa tão polarizada, tão diferente no seu significado crucial, tão determinante para as décadas que aí virão, nos EUA e no resto do mundo.

Hillary Clinton corporiza a visão de «stronger together» (juntos somos mais fortes), o seu lema de campanha.

É a visão democrata, que prevaleceu em presidenciais desde 2008, graças ao ‘yes we can’ de há oito anos e do ‘forward’ de há quatro, sempre com uma noção geral de ‘we are all in this together’ (estamos todos nisto juntos).

Obama, ajudado pelas suas duas vitórias em presidenciais, conseguiu nos últimos oito anos manter coeso o campo democrata, não tão homogéneo como por vezes parece, fundado nessa ideia forte: uma visão solidária e coesa da sociedade traz vantagens para todos.

Hillary está a ter mais dificuldades para garantir essa ‘grande coligação’ da esquerda e do centro político americano, talvez por estar mais conotada com os interesses de Wall Street e das grandes corporações e por estar a tentar, nesta eleição, um equilíbrio difícil de concretizar: federar os republicanos indignados com Donald Trump e garantir os votos da ala progressista (o movimento Sanders, nas primárias, foi um sinal de alarme, ainda que o apoio claro de Bernie e também da senadora Elizabeth Warren, do Massachussets, na convenção possa ter dado empurrão para que Clinton agarre a base
esquerdista nesta reta final).

Tsunami no Partido Republicano

O que se está a passar na Direita americana é mais profundo e complexo de explicar.
A nomeação presidencial de Donald Trump foi um tsunami para o Partido Republicano.
Nada será como dantes.

Políticos que até há dois ou três anos prometiam corporizar a próxima geração do conservadorismo americano, como Marco Rubio, Ted Cruz ou Paul Ryan, correm agora o risco de ter que esperar até 2020 para voltarem a ser nacionalmente influentes.

Uma hipotética eleição presidencial de Trump teria efeitos ainda mais devastadores para os republicanos. Significaria a necessidade de “institucionalização” definitiva de Donald e implicava quase uma década (pelo menos) de suspensão do protagonismo das correntes mais moderadas da Direita na América.

As ondas de choque que Trump está a provocar no Partido Republicano ainda não foram suficientemente digeridas.

Enquanto isso, o inesperado candidato vai dirigindo uma campanha unipessoal, baseada em ideias preconceituosas, que falham no teste do “reality check”, mas atingem algumas das feridas da carne americana, versão 2016.

Os avisos do Presidente Obama, destacados nos excertos acima mencionados, têm um destinatário claro: Barack teme que a retórica de Donald Trump solte os piores demónios da América e minimize os feitos obtidos nas suas duas administrações.

Se os últimos anos foram claros a mostrar que os consensos bipartidários são quase impossíveis de obter numa América cada vez mais polarizada, o comportamento do nomeado presidencial republicano de 2016 pode marcar um "ponto de não retorno". Depois disto, talvez fique difícil voltarmos a imaginar um presidente com a abordagem pacificadora de Obama. Ou, então, aparecerá a a tal redenção republicana que o próprio Obama diz ainda acreditar: será que, depois de Trump, os republicanos moderados aprenderam a lição, ou já nem sequer estão em condições de protagonizar a reflexão interna no próximo ciclo eleitoral?

A caminho de 16 anos de 'domínio progressista'?

Maureen Dowd, no New York Times, aponta, em texto com o significativo título ‘Thanks, Obama’: “O jovem senador que chegou em 2008 à presidência provou que a Casa Branca pode ser um local de integridade, ética e vida familiar exemplar. Obama quer criar o que ele chama uma ‘era de 16 anos de domínio progressista’ e pretende refocar a América como um ‘Reagan de esquerda’, como um seu assessor apelidou”.

Um dos aspetos da “passagem de testemunho” de Obama para Hillary, celebrada na Convenção de Filadélfia, teve a ver com o caráter de ‘ser primeiro’ em algo histórico: Barack, o primeiro negro a chegar à Casa Branca; Hillary a primeira mulher a ser nomeada e, pretendem os democratas, a ser eleita para a Casa Branca, depois de 8 de novembro.

Nicholas Kristof, também no New York Times, analisa: «Quando as mulheres ganhar, os homens ganham, também. Devem os homens aplaudir quando se rompem barreiras de modo a que o mundo se torne mais justo e equilibrado? Ou devemos nós homens, lamentar ter perdido, quando uma mulher ganha uma determinada corrida? (…) Sim, alguns estrategas democratas admitem preocupação, com razão, pelo facto de muitos eleitores homens poderem desmobilizar perante este entusiasmo de género. Afinal de contas, Donald Trump tem grande avanço entre os homens brancos sem estudos superiores e é isso que o está a colocar, neste momento, muito próximo de Hillary nas sondagens».

As convenções partidárias da semana passada foram claras a marcar as diferenças: em Cleveland, o «pesadelo americano» anunciado por Donald Trump apelou ao medo, à raiva e ao ressentimento; em Filadélfia, a nomeação de Hillary juntou diferentes sensibilidades democratas, desde a elite no poder na Casa Branca e Senado (Barack e Michelle Obama, Joe Biden, Tim Kaine) até aos campeões da ala progressista (Bernie Sanders, Elizabeth Warren), com dois fatores de coesão: a vontade de travar a ameaça Trump e a noção de que o registo «we are all in this together» ainda pode ter continuidade com Hillary Clinton, sobretudo depois da candidata ter cedido perante Bernie Sanders num conjunto de reivindicações à esquerda a incluir na plataforma política do ‘ticket democrata’.

Ainda é cedo para tirar conclusões mais seguras, só os próximos dias o mostrarão, mas de acordo com sondagem CBS News, realizada entre 29 e 31 de julho, já
depois das duas convenções, Hillary parece ter retomado uma liderança com vantagem razoável no voto popular: 47/41 frente a Trump.

Uma diferença que surge um pouco mais curta noutros estudos e convém não esquecer que, em 2016, também deveremos olhar com algumas atenções para a candidata ecologista, Jill Stein, e para o candidato libertário, Gary Johnson.

Com nomeados democrata e republicana com níveis de rejeição superiores a 50 por cento, não é de excluir que Jill e Gary somem, juntos, perto de 10 por cento dos votos expressos.

Quanto mais se mergulha nesta eleição de 2016, mais se conclui que ela não tem comparação com nada que se tenha vivido nas últimas décadas na política americana.

Luz ou sombra? 

Depois de 8 de novembro, será ainda a América a "cidade luminosa na colina", como Obama garantiu que os EUA ainda são, em recado lançado a Trump no discurso de aclamação de Hillary?

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segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Histórias da Casa Branca: o que fica das convenções


TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 31 DE JULHO DE 2016:



É fácil vaiar, mas será mais difícil olharem os vossos filhos na cara se estivermos a viver sob uma presidência Trump”
BERNIE SANDERS, para os seus apoiantes, quando declarava, em plena Convenção Democrata de Filadélfia, o apoio a Hillary Clinton

Quando eles descem cada vez mais baixo, nós elevamo-nos ainda mais”
MICHELLE OBAMA, sobre a forma como os democratas vão reagir nesta eleição ao comportamento de Donald Trump e os seus apoiantes

Os próximos 100 dias vão definir boa parte do que serão os EUA e, por arrasto, o resto do mundo, nas próximas décadas.

Depois de oito anos de presidência democrata, seria de admitir que o ciclo presidencial que se iniciará com as eleições de 8 de novembro favorecesse os republicanos.


Nos últimos 56 anos, desde a eleição de Kennedy em 1960, houve 28 anos de presidência democrata (JFK, Johnson, Carter, Bill Clinton, Obama) e 28 anos de presidência republicana (Nixon, Ford, Reagan, Bush pai e Bush filho).

Sucede que esta não é uma eleição normal. O grau de imprevisibilidade sobre o que poderá acontecer é enorme.

Do lado republicano, o nomeado, Donald Trump, tem características tão fora da norma e um comportamento público tão bizarro que dificilmente conseguirá o pleno do «mosaico» da direita americana.

Mas no campo democrata também ainda não é certo que Hillary Clinton consiga federar as sensibilidades mais à esquerda, depois de um processo de primárias em que Bernie Sanders conseguiu chegar mais longe do que, provavelmente, o próprio senador do Vermont imaginaria no início da corrida.


Ambiente divisivo

Há outros fatores que fazem da disputa presidencial de 2016 um momento diferente de todos os outros.

Antes do mais, pelo facto inesperado dos dois candidatos terem níveis de rejeição estranhamente elevados.

Perto de 50 por cento dos americanos dizem não gostar de Hillary Clinton; mais de 60 por cento garante recusar a ideia de ver Donald Trump na Casa Branca.

Ganhe quem ganhar, o próximo Presidente dos EUA será alguém com uma aceitação no eleitorado não muito superior a metade da realidade da América – e só isso já nos mostra como aquele grande país está polarizado e como esta é uma eleição realizada num ambiente divisivo e pouco saudável.

As convenções partidárias, que dominaram nas últimas duas semanas o espaço mediático um pouco por todo o mundo, mostraram-nos duas visões completamente diferentes sobre os EUA, a forma de governar, a relação com o poder e até o modo como um Presidente dos EUA se deve comportar com os restantes líderes mundiais e com as instituições com que se relaciona.


A América assustadora de Donald Trump

Donald Trump apresentou uma perspetiva “dark”, negativa, pessimista e quase assustadora do momento atual dos EUA.

O nomeado presidencial republicano traçou uma América pior do que, na verdade, ela é neste momento.

Jogou com o medo (carta poderosa em tempos de incerteza e indefinição, como os que vivemos), associou a imigração e os refugiados com o crime e a insegurança, prometendo ser o presidente “da lei e da ordem”, embora sem explicar muito bem como.

Foi um conclave quase sinistro, em que se lançou o ‘claim’ “Hillary para a prisão” (exatamente porquê, não se sabe bem), do qual se ausentaram várias figuras de topo do Partido Republicano, como Jeb Bush, Mitt Romney, John McCain ou os dois únicos presidentes republicanos vivos, George HW Bush e George W. Bush.

John Kasich, governador do Ohio, terceiro classificado nas primárias e último sobrevivente de um mínimo de moderação e clareza no GOP, recusou convite para discursar.

E, para lá do “one man show” Trump, assistiu-se a discursos inflamados e pouco rigorosos de figuras como Rudy Giuliani e Chris Christie (ambos em versão radicalizada e com um ódio visceral a Hillary Clinton, eles que até há poucos anos pareciam ser da ala mais centrista do Partido Republicano) ou Ben Carson (que tentou, antes de Trump, liderar a onda anti-políticos das primárias republicanas).

Ted Cruz assumiu o papel de guardião do partido, com intervenção corajosa a recusar o “endorsment” de Trump, mas até isso significou um sinal de alarme no atual estado do Partido Republicano: o senador do Texas, segundo classificado nas primárias.

O mais desconcertante foi ter visto, na Convenção que investiu Trump, como o multimilionário nova-iorquino não tenciona, de forma alguma, refinar o seu estilo truculento até à eleição geral.
Donald voltou a falar do muro mexicano, voltou a soltar demónios que ensombram o imaginário
americano, voltou a lançar acusações torpes contra a sua rival Hillary Clinton.

O modo irresponsável como sugeriu, em conferência de Imprensa já durante a Convenção Democrata, que a Rússia poderia «piratear» emails de Hillary como secretária de Estado, e depois libertar as conclusões para os media, passou tanto das marcas que o próprio Trump se sentiu na necessidade de dizer, no dia seguinte, que… estava a brincar. “Já não se pode fazer humor!”, atirou aos apoiantes, numa tentativa tosca de controlar danos, depois de ser criticado por grande parte das cúpulas militares a quem pretende dar ordens a partir de janeiro de 2017.

Perspetiva assustadora, de facto, em função do tipo de declarações que Trump insiste em lançar, sobretudo no plano das relações internacionais (a promessa de não de respeitar o artigo 5.º do tratado que regula a NATO, e que prevê que perante um ataque a um país da Aliança Atlântica, os outros têm a obrigação de o socorrer, insinuando assim que os EUA não ajudariam os países bálticos que se sentem ameaçados pelo ‘urso’ russo, algo que, dito por um possível presidente dos EUA, pode gerar uma perturbação inimaginável no leste europeu).

Trump continuará a ser Trump

O passar do tempo e o aproximar da eleição geral tira as dúvidas que ainda pudessem persistir: Trump continuará a ser Trump.

Não é de esperar que, na reta final, Donald passe a ser um candidato mais convencional e ponderado (o próprio candidato, de resto, avisou este sábado ‘no more Mr. Nice Guy’, anunciando que iria aumentar o tom das acusações contra Hillary, talvez receoso de que Clinton venha a ter um ‘bounce’ após a convenção).

Na verdade, foi por não ser assim que obteve a nomeação, em ano de total derrocada do «establishment» do partido que já foi Lincoln (que acabou com a escravatura, há século e meio), de Eisenhower (presidente que promoveu avanços importantes nos direitos civis) e Reagan (o presidente que selou uma visão positiva, confiante e vencedora do ‘país excecional’, a ‘last best hope of earth’, farol de Liberdade e Democracia para o mundo).

Com Trump, o Partido Republicano, versão 2016, tornou-se no palco para um candidato populista, demagógico, que lança promessas vãs e acusações infundadas, com intervenções que denotam desconhecimento do caminho longo que é exigido nas relações internacionais (a relação dos EUA com a China, por exemplo, tem vindo a ser alimentada há meio século, desde Nixon, independentemente das administrações americanas serem democratas ou republicanas).

Ao atirar de forma simplista as culpas para questões como a integração dos imigrantes ou a reconversão de indústrias que perderam peso com a globalização para “os chineses” ou “os mexicanos”, ao dizer que “em matéria de liderança, Vladimir Putin merece um A”, Donald Trump mostra ser um nomeado presidencial republicano sem qualquer tipo de comparação em relação aos seus dois antecessores, John McCain (2008) e Mitt Romney (2012).

Romney, há apenas quatro anos, identificava durante a campanha que viria a perder para Obama, Putin como “a maior ameaça à ordem internacional”. O diagnóstico viria a mostrar-se correto, se atendermos ao que o presidente russo fez desde aí.

Vermos Trump a elogiar as qualidades de liderança de Putin, de modo a insinuar suposta fraqueza de Obama e Hillary perante o presidente russo, dá conta da total mudança de dados que se verificou na política americana, e sobretudo no Partido Republicano, nos últimos anos.

Não é, por isso, de admirar que boa parte da elite republicana não vá a jogo nesta campanha. Muitos dos principais líderes do GOP desejarão, até, que Trump perca gloriosamente em novembro, para que a partir daí se faça uma reconversão do Partido Republicano, de modo a iniciar o ataque a 2020, tentando evitar a reeleição de Hillary.

Seria, talvez, um mal menor, perante a possibilidade de ver Trump na Casa Branca: como atuariam os principais líderes republicanos, aproximavam-se do novo presidente, reclamando ser do mesmo partido ou manter-se-iam à margem?

Hillary pisca o olho aos republicanos indignados

Hillary vai tentar aproveitar-se eleitoralmente desta ambiguidade republicana.

No discurso de aceitação da nomeação presidencial da primeira mulher (uma peça bem construída e a tocar nos pontos essenciais, mas sem o brilho oratório de Bill Clinton ou Barack Obama), Hillary acenou ao eleitorado independente e mesmo aos republicanos, convocando todos para a necessidade de evitar a eleição de Trump.

Este denominador comum, “anti-Trump”, pode, aliás, ajudar a candidata a minimizar os problemas que continua a ter de conexão com boa parte dos segmentos que precisa de conquistar para chegar à presidência.

Hillary é vista com desconfiança pela ala esquerda do partido – que a acusa de ter estado demasiado próxima dos interesses financeiros e do grande capital, ao longo dos últimos anos – e ainda não foi perdoada por muitos republicanos que se recordam dos anos agitados da presidência Bill Clinton (nos quais a então Primeira Dama falou de uma “vasta conspiração de Direita” para pôr o marido fora da Casa Branca).

América confiante, versão democrata

Num contraste total com o que se assistiu em Cleveland, a Convenção de Filadélfia exortou uma América positiva, confiante, a colher os frutos de oito anos de recuperação económica nos dois mandatos presidenciais de Obama.

Se Trump foi coroado sem as palmas dos principais líderes republicanos, Hillary foi investida com o patrocínio dos democratas mais amadas e populares: o seu próprio marido, Bill Clinton; o seu antigo rival nas primárias de 2008 e hoje forte apoiante, o Presidente Barack Obama; e a Primeira Dama, Michelle Obama.

Obama assumiu a «passagem de testemunho» à «melhor candidata que alguma vez se apresentou a umas eleições presidenciais nos EUA». «Nem eu, nem Bill, ninguém é mais qualificado para o cargo do que Hillary Clinton», um elogio máximo que Barack deu à sua antiga rival, mas também antiga secretária de Estado, numa espécie de dupla retribuição, depois de Hillary ter sido exemplar em 2008 no apoio a Obama na eleição geral – e depois de Bill Clinton ter sido muito importante na mobilização democrata para a reeleição de Barack, com um discurso notável na Convenção de 2012.

Além dessas “super estrelas” do Partido Democrata, a convenção que nomeou Hillary juntou outras figuras importantes para construir a narrativa de confiança, união e noção «we are stronger together» (juntos somos mais fortes), para sublinhar a diferença com a mensagem de ressentimento e divisão do estranho universo trumpiano.

O candidato a vice no ticket de Hillary, Tim Kaine, é um bom exemplo dessa aposta: vem de um estado que era republicano e agora pode manter-se democrata (passou a sê-lo desde Obama 2008), a Virgínia; é católico; fala espanhol na perfeição e trabalhou nas Honduras, o que certamente agrada ao eleitorado hispânico, que Hillary tem que aprofundar; no discurso de aceitação reduziu Trump a um tipo sem credibilidade e sem fundamentação ideológica.

Michael Bloomberg, antigo mayor de Nova Iorque eleito pelo Partido Republicano, ajudou no argumento de que os republicanos responsáveis e racionais vão preferir Hillary a Trump; Joe Biden, Leon Panetta, Jerry Brown e Martin O’Malley reforçaram a tese de que os democratas moderados e centristas estão firmemente com Hillary e contra Trump.

E Jennifer Granholm, a antiga governadora do Michigan, corporizou com alma e paixão a ideia de que uma candidata como Hillary Clinton tem tudo para bater um Trump «vaiodoso e egocêntrico». Terá sido o discurso mais mobilizador entre outras intervenções de mulheres, como Meryl Streep ou a própria filha de Hillary, Chelsea (o discurso de Michelle está noutro patamar, entre os melhores que alguma vez se fizeram em convenções partidárias nos EUA).

Bernie está com Hillary. E os seus apoiantes?

A contestação do movimento «Feel the Bern» ameaçou estragar a festa a Hillary, mas a intervenção responsável do próprio Bernie Sanders evitou o pior.

Não foi uma ajuda desinteressada.

O senador do Vermont, depois de uma campanha notável em que obteve perto de 45% dos votos dos eleitores democratas, conseguiu impor a sua influência na plataforma com que Hillary se proporá ir às urnas a 8 de novembro.

Os pormenores das propostas ainda não foram divulgados, mas já se fala na candidatura presidencial mais à esquerda desde 1972, ano em que o progressista George McGovern foi o nomeado democrata, perdendo rotundamente para Nixon, que viria a obter a reeleição.

E aqui está a “quadratura do círculo” que Hillary vai tentar cumprir até 8 de novembro: segurar o pleno do campo democrata e conquistar boa parte dos republicanos que se recusem a votar Trump.

Olhem para a Rust Belt

Na aceitação da nomeação, Hillary já sinalizou um dos pontos fulcrais na sua estratégia para a vitória: os estados do Midwest que votaram fortemente em Obama em 2008 e 2012 e que agora dão sinais de poderem virar-se para Trump.

Um dos eleitores-tipo do nomeado republicano é homem, branco, trabalhador “blue colar”, sem estudos superiores. Ora, isso bate completamente na faixa dominante em estados como o Ohio, a Pensilvânia e o Michigan. Em parte também no Wisconsin.

As sondagens, nas últimas semanas, dão conta de uma subida de Trump nesses estados, sobretudo nos primeiros três, ameaçando o suposto favoritismo de Hillary no Midwest.

Ciente desse risco, a candidata democrata dedicou uma parte do seu discurso de aceitação aos descontentes desses estados da Rust Belt: “Alguns de vós estão frustrados – furiosos até. E sabem uma coisa? Estão certos. Têm razão. Isto não está a funcionar da forma que devia. Os americanos estão desejosos de trabalhar e sentem que há cada vez menos respeito pelo trabalho que fazem. E menos respeito por eles, ponto. Os democratas são o partido da classe trabalhadora. Mas não fizemos um trabalho suficientemente bom a provar que estamos no caminho certo e que vamos resolver as coisas. Por isso, quero aqui dizer como conto fortalecer os americanos, ajudando-os a viverem vidas melhores. A minha primeira missão como Presidente será criar mais e melhores oportunidades, com salários a subir aqui mesmo, nos EUA. Desde o meu primeiro dia no cargo até ao último. Especialmente nos locais que há muito têm ficado para trás e têm sido esquecidos. Desde as nossas ‘inner cities’ até às cidades mais pequenas, da Indian Country à Coal Country. Das comunidades marcadas pela droga às regiões ensombradas pelo fecho de fábricas”.

Faltam exatamente 100 DIAS para as eleições presidenciais nos EUA.

Apertem os cintos, segurem-se bem: a partir de agora, vai valer quase tudo.