O blogue que, desde novembro de 2008, lhe conta tudo o que acontece na política americana, com os olhos postos nos últimos dois anos da era Obama e na corrida às eleições presidenciais de 2016
sexta-feira, 28 de novembro de 2008
Coisas do Sexta (IV): o velho leão e o jovem prodígio
Trabalho publicado no jornal SEXTA de 6 de Junho de 2008, dias depois de Barack Obama ter garantido a nomeação do Partido Democrata e se saber que o duelo final seria entre ele e John McCain:
O fantástico duelo entre
o velho leão e o jovem prodígio
EUA No início, parecia um combate destinado a Hillary e Giuliani. Meio ano de primárias produziu uma batalha imprevista entre Obama e McCain. Os 25 anos que os separam iludem muitos pontos em comum
Se as primárias tivessem sido feitas num só dia, a 3 de Janeiro, provavelmente os nomeados teriam sido Hillary Clinton e Rudy Giuliani. Mas este sistema tão peculiar permitiu que os dois candidatos com menor taxa de rejeição saíssem premiados.
John McCain e Barack Obama vão travar um duelo inesperado — mas muito estimulante. Separados por 25 anos, representam o triunfo de uma certa independência em relação ao mainstream.
Haveria um mundo de distinções a fazer: McCain é um herói de guerra e está no Congresso há quase três décadas; Obama é o herói anti-guerra e só chegou ao Senado há três anos. Mas, vendo bem, as semelhanças são mais fortes -- ambos têm o respeito dos eleitorados opostos e disputam os independentes.
A história improvável de McCain começa no heroísmo com que reagiu aos anos de prisão e tortura no Vietname. Mas John não romantiza a experiência: «A guerra é a pior coisa que existe. Odeio-a».
Portador de um bilhete de identidade que desafia todas as cautelas políticas, Barack Hussein Obama pede nos comícios: «Julguem-me pelo que digo e faço, não pelo meu nome esquisito». Os americanos estão a fazer-lhe a vontade.
Experiência ou ousadia?
McCain sempre pensou pela sua cabeça — mesmo quando isso poderia ter-lhe hipotecado a nomeação. Chegaram a noticiar a morte da sua candidatura, quando defendeu o reforço de tropas no Iraque. «Prefiro perder uma eleição, a bem dos interesses do meu país», explicou.
O que lhe podia ter sido trágico, foi vantajoso meses depois: a surge liderada por David Petraeus fez diminuir o número de baixas.
Carismático, inspirador, com dotes oratórios simplesmente notáveis, Obama oferece uma folha em branco, na qual é possível escrever todos os sonhos. «As pessoas sempre tiveram a tendência para dar um livre-trânsito a Barack. É diferente de qualquer outro político que eu tenha conhecido», comenta Don Solomon, antigo assessor de Obama.
Duros e resistentes
Há oito anos, McCain esteve a um passo da nomeação. Antes da Carolina do Sul, o campo de Bush preparou-lhe um golpe baixo, lançando a ideia de que John teria uma filha ilegítima. Era mentira: a «filha secreta» era Bridget, uma menina do Bangladesh que McCain adoptara.
A ratoeira funcionou e Bush ganhou. Mesmo assim, McCain apoiou a reeleição do texano e, nestas primárias, foi na Carolina do Sul que se lançou para a vitória que lhe fugira em 2000.
Quando, nesse mesmo ano, os democratas nomearam Al Gore, Obama era um jovem senador estadual que começava a dar nas vistas nos meios do poder de Chicago. Políticos amigos aconselharam-no a ir à Convenção Democrata, para «fazer contactos» e mostrar o seu brilho invulgar aos dirigentes nacionais.
Mas Barack estava mal de finanças e só se aventurou depois de conseguir arranjar um voo barato. Já em Los Angeles, ao tentar alugar um carro, o cartão de crédito não passou. Teve que voltar para trás. «Não é um período de que me orgulhe», confessa, no livro «Obama, do Desejo ao Poder», de David Mendell, jornalista do Chicago Tribune [publicado em Portugal pela Alêtheia Editores].
Quatro anos depois, Obama foi a estrela da Convenção Democrata, ao proferir um notável discurso que o catapultou para o estrelato. Em 2008, será mesmo ele o nomeado. John e Barack não desistem à primeira adversidade.
Para lá das convenções
Conhecido pelo feitio difícil, McCain responde com cara de poucos amigos: «Não fui eleito para o Senado para ganhar a faixa de Miss Simpatia...»
E o seu registo prova que é especialista em aproximar posições: concretizou, com o senador democrata Russ Feingold, uma lei sobre transparência dos financiamentos políticos e fez aprovar, com Ted Kennedy, a reforma bipartidária que prevê a amnistia para 12 milhões de imigrantes ilegais (esforço que lhe valeu antipatias no Partido Republicano).
A «retórica adocicada de Obama», de que fala George Will no Washington Post, provém da incrível junção de experiências culturais que é a sua vida: «O meu pai nasceu no Quénia e é por isso que tenho esta cor. A minha mãe era do Kansas e é por isso que tenho este sotaque do Midwest», é a piada com que começa muitos comícios, para depois falar sobre a sua meia-irmã Maya, «que mora no Havai, é parecida com a Salma Hayek e tem um marido chinês que nasceu no Canadá». Parece impossível, mas tudo isto é verdade.
Vêm aí meses animados
Pouco depois da eleição para o Senado, Obama mantinha o condão de despertar elogios. Eram cada vez mais as pessoas que queriam vê-lo concorrer à Presidência. Barack começou a pensar nisso «um pouco mais a sério». Reuniu o seu núcleo duro, pediu conselhos a políticos mais velhos. E o que parecia implausível começou a ganhar forma.
Terá havido uma frase decisiva – a de Newtin Minow. Antigo conselheiro de John Kennedy, este influente diplomata lidou de perto com os principais políticos americanos do último meio século.
Depois de ouvir, na televisão, o recém-eleito senador Obama a discursar numa angariação de fundos, em 2006, Minow telefonou a Barack, para convencê-lo a candidatar-se à Casa Branca. «Vi John Kennedy e agora vi-o a si – e não vi nada parecido pelo meio», atirou, entusiasmado. «Agora tem de avançar com isto».
Ganhe McCain ou Obama, vença o velho leão ou o jovem prodígio, é já certo que os Estados Unidos vão passar a ter um Presidente muito mais estimulante do que foi George W. Bush.
Os próximos meses vão ser animados.
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John McCain «vs» Barack Obama
JOHN SIDNEY MCCAIN III
-- 71 anos; nasceu na base militar de Coco-Solo, no Canal do Panamá, onde o seu pai (John Sidney McCain II) trabalhava
-- seguiu os passos do pai e do avô, entrando na Academia Naval; combateu no Vietname, onde foi feito prisioneiro e torturado durante cinco anos e meio
-- é senador pelo Arizona desde 1986; foi membro da Câmara dos Representantes entre 82 e 86
-- é casado, há 28 anos, com Cindy Hansley (17 anos mais nova), depois de se ter divorciado de Carol Sheep
-- tem 7 filhos: Douglas (48 anos), Andrew (46) e Sidney (42), do primeiro casamento; Meghan (24 anos), John Sidney IV (22) e James (20), da actual mulher; e ainda Bridget (17), filha adoptada, natural do Bangladesh
-- frequenta a Igreja Baptista
-- gosta de pescar, fazer churrascos e ler sobre a história americana
BARACK HUSSEIN OBAMA
-- 46 anos; nasceu em Honolulu, Havai
-- formado em Ciências Políticas, na Universidade de Columbia, e em Direito, em Harvard; foi o primeiro negro a presidir à Harvard Law Review
-- é senador pelo Illinois, desde 2005; foi senador estadual em Chicago, entre 1996 e 2004
-- é o único negro no Capitólio, o quinto a atingir o Senado em toda a história americana e o terceiro desde a Reconstrução; será o primeiro negro a obter a nomeação presidencial por um dos dois partidos dominantes do sistema americano
-- é casado com a advogada Michelle Robinson, desde 1992; tem duas filhas (Malia, de 9 anos, e Sasha, com 6)
-- o pai era queniano (Barack Obama sr.), a mãe era uma americana branca do Kansas (Ann Dunham)
-- frequenta a Igreja Unida da Trindade de Cristo
-- gosta de jogar basquete, brincar com as filhas e escrever (publicou dois best-sellers: A Audácia da Esperança e Sonhos do Meu Pai: uma História de Raça e Herança)
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4 comentários:
Há oito anos uma vitória de Al Gore ou de McCain ter-nos-ia poupado toda esta maluqueira bushiana.
Grata por republicar aquilo que atempadamente não li e nem suspeitava que existia. Acho que nunca falou do Sexta na GLQL.
Vai a tempo agora de ler pela primeira vez. Vou publicar mais textos nos próximos tempos. Obrigado pela preferência.
Parabéns
A continuidade, a riqueza de conteúdo e a consistência deste blogue são um exemplo de como o jornalismo profissional e a blogosfera se podem complementar e enriquecer mutuamente.
Continua.
Dora Santos Silva
Obrigado. Sê bem-vinda a este blog. Aguardo pelos teus comentários e críticas.
Continuação de felicidades para o Culturascópio.
Beijinhos.
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