segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Coisas do Sexta (X): Barack Obama 'vs' Hillary Clinton


Trabalho publicado no jornal SEXTA em Abril de 2008, no auge do duelo entre Barack Obama e Hillary Clinton, na disputa pela nomeação democrata.

É curioso verificar, oito meses depois, como ambos estão prestes a entrar na Casa Branca: um como Presidente, a outra como secretária de Estado.

E não se pode
escolher os dois?


EUA Até onde chegará a mudança? Os democratas oscilam entre a experiência oferecida por Hillary Clinton e o apelo sedutor de Barack Obama

Até onde estarão os democratas dispostos a mudar? A vontade de cortar com o passado passará pela experiência de nomear, pela primeira vez, uma mulher (Hillary Clinton) ou vai chegar ao ponto de concretizar uma viragem arriscada, mas sedutora, pela carga simbólica que transmite ao Mundo (Barack Obama)?
A pergunta é daquelas que valem um milhão de dólares, mas só deverá ter resposta em pleno Verão.

John Kerry, o antecessor de Obama ou Hillary (foi o nomeado dos democratas em 2004), acredita que «a verdadeira transformação» só chegará se a disputa for ganha pelo senador do Illinois: «Barack tem características nunca antes vistas num candidato presidencial na América. Ele tem na mão a chave para o passo em frente que esta grande nação pretende dar».

Já Madeleine Albright, a primeira mulher a chefiar a diplomacia norte-americana — foi secretária de Estado no segundo mandato de Bill Clinton —, advoga que é Hillary a portadora da verdadeira mudança: «Teremos que saber de que mudança necessita a América. Hillary sabe como fazê-la. Viajei muito com ela e sempre me impressionou o profundo conhecimento que ela tem sobre tudo o que é importante».

Entre a razão
e o coração

Cerebral, inteligente, mas pouco empática no contacto com os eleitores, Hillary Clinton é a candidata da razão – oferece a experiência de oito anos na Casa Branca e sete no Senado.

Barack Obama, portador de um magnetismo e uma capacidade inspiradora só comparáveis na história do último século americano a John e Bobby Kennedy, apela ao sonho e lança uma corrente de afectos e emoções. Mas será capaz de tornar reais as expectativas que tão bem tem sabido criar?

O dilema trespassa os milhões de eleitores que, estado a estado, têm batido recordes na afluência às primárias democratas.

Hillary promete uma América «para todos, não só para os mais ricos e os que se dão bem com os poderosos». Mas Obama vai mais longe: lança uma ruptura com o business as usual de Washington, colocando a sua rival no saco dos culpados pela perda de credibilidade do sistema.

Hillary tem
as «bases»

Se esta corrida estivesse a obedecer aos dados habituais, Hillary venceria sem grande dificuldade. A base tradicional do Partido Democrata está com ela: a classe média que ganha menos de 150 mil dólares/ano, o americano «comum» que, antes de tudo, tem de pagar a prestação mensal do carro e da casa.
Só que o perfil inovador de Obama alterou a dinâmica da decisão. Barack atrai novos eleitores, gente que nunca se sentiu motivada para ir votar e esmaga no segmento até aos 35 anos.

A sua mensagem elegante e poderosa atrai a classe média endinheirada, que pode dar-se ao luxo de se seduzir por questões mais abstractas, como «a imagem da América no Mundo» ou a «capacidade para reunir as diferenças», de modo a fazer com que «as pessoas deixem de ter uma perspectiva cínica da política e voltem a acreditar».

O tempo joga
a favor de Barack

Conhecida há muito mais tempo, Hillary partiu com os seus trunfos lançados. Prepara este momento há 35 anos e tem jogado as cartas onde é muito forte, como a proposta para criar um plano universal de saúde.

Barack, mais forte que a rival na arte de captar simpatias em campanha, foi revelando a mensagem de reconciliação através do estímulo do «melhor que os americanos têm».

Numa onda contagiante, começou por ter uma base que se cingia aos jovens, mas vem conquistando segmentos que pareceriam barrados a um candidato negro.
Já poucos se lembrarão -- tão intenso é o caudal de novidades desta longa corrida -- mas Obama estava atrás de Hillary no eleitorado negro, antes das primárias.
O seu discurso abrangente, que surpreende por não se direccionar para as reivindicações dos afro-americanos, causou estranheza. Era a fase em que muitos líderes negros se perguntavam: ‘Is Barack really a brother?’ (‘Será ele um irmão, um dos nossos?’).

Mas a dinâmica de vitória de Obama contagiou o eleitorado afro-americano, que se rendeu em definitivo a partir da Carolina do Sul, dando-lhe mais de 80 por cento das preferências.

Foi um momento definidor: os Clinton lançaram a questão racial, mas Obama não caiu na armadilha — manteve uma mensagem positiva, atraindo um espectro mais alargado do que o eleitorado democrata permitiria.

O notável discurso que proferiu em Filadélfia, a 18 de Março, ao reagir com equilíbrio e ponderação à polémica em torno dos sermões inflamados do reverendo Wright (pastor de Chicago que casou Barack e Michelle), poderá marcar a confirmação de que Obama tem mesmo estofo para ser Presidente – houve quem apontasse essa intervenção de Obama como o mais relevante discurso sobre a questão racial dos últimos 40 anos, desde Martin Luther King.

Os «Obamacans»
podem decidir?

Essa capacidade de atracção nos segmentos mais difíceis poderá ser muito útil no duelo com John McCain.

Há quem garanta que os Obamacans, republicanos que se juntaram à campanha do senador do Illinois, terão uma relevância histórica idêntica aos democratas que apoiavam Ronald Reagan nos anos 80.

Obama parece ter descoberto o toque de Midas que o leva a conquistar a confiança de quem o olharia de soslaio.

A forma como conquistou enormes vitórias em estados com percentagens esmagadoras de votantes brancos é outra prova disso. Algo de absolutamente novo está a acontecer na América.

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Barack Obama «vs» Hillary Clinton

BARACK HUSSEIN OBAMA
46 anos; nasceu em Honolulu, Havai; senador pelo Illinois desde 2005; casado com Michelle, tem duas filhas (Malia, 9 anos, e Sasha, 6); formado em Ciências Políticas, pela Universidade de Columbia, e em Direito, em Harvard

A «COLIGAÇÃO» QUE LHE DÁ VOTOS:
Jovens + Negros + Homens brancos + Eleitores que tencionam votar pela primeira vez + Independentes + Classe média/alta + Universitários + Eleitorado urbano

TERRITÓRIO OBAMA:
-- Estados pequenos
-- Estados que votam republicano na eleição geral
-- Estados com forte implantação negra (como Carolina do Sul, Alabama ou Luisiana)
-- Estados com percentagem de brancos acima dos 90% (como Iowa, Idaho ou Wyoming, onde não se sente o peso do voto hispânico)
-- Midwest
-- Upper Midwest

AS «MARCAS» OBAMA:
reconciliação; mudança; novidade; carisma; fazer pontes entre as diferenças; recuperar a imagem da América no Mundo; esperança no futuro

A FRASE FORTE DE OBAMA:
‘Yes We Can!’ (‘Sim, Nós Podemos!’)

O PROBLEMA DE OBAMA:
Inexperiência – só é senador há três anos e nunca exerceu cargos de governação a nível nacional


HILLARY RODHAM CLINTON
60 anos; nasceu em Chicago, Illinois; senadora por Nova Iorque desde 2001; Primeira Dama entre 1993 e 2001; casada com Bill Clinton, tem uma filha (Chelsea, 28 anos); formada em Ciências Políticas, em Wellesley, e em Direito, em Yale

A «COLIGAÇÃO» QUE LHE DÁ VOTOS:
Mulheres + Eleitores acima dos 60 anos + Hispânicos + Asiáticos + Classe média/baixa + Trabalhadores sindicalizados + Eleitores que colocam a Economia como principal preocupação

TERRITÓRIO HILLARY:
-- Grandes estados
-- Costa Leste
-- Estados com forte presença hispânica (Califórnia, Texas, Flórida)
-- Estados fortemente industrializados (como o Ohio)
-- Estados que votam democrata na eleição geral (Califórnia, Massachussets, Nova Iorque)

AS «MARCAS» HILLARY:
experiência; firmeza; credibilidade; pragmatismo; acção; recuperação económica semelhante à que Bill Clinton conseguiu nos anos 90

A FRASE FORTE DE HILLARY:
‘Solutions for America’ (‘Soluções para a América’)

O PROBLEMA DE HILLARY:
Frieza – em contraste com o seu carismático opositor, Hillary não consegue gerar empatia imediata com as pessoas

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