quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Coisas do Sexta (V): os 40 anos do assassinato de Bobby Kennedy


Trabalho publicado no jornal SEXTA de 30 de Maio de 2008:

Sonhos desfeitos

EFEMÉRIDE Há 40 anos, o caminho de Bobby Kennedy para a Casa Branca foi brutalmente travado num hotel em Los Angeles. O destino da América voltava a ser manchado com sangue, cinco anos depois da morte de JFK

«O que precisamos no Estados Unidos não é de divisão; o que precisamos nos Estados Unidos não é de ódio; o que precisamos nos Estados Unidos não é de violência; mas de amor e sabedoria, de compaixão e compreensão mútua, e de um sentimento de justiça, sobretudo para com aqueles que ainda sofrem no nosso país, sejam eles negros ou brancos»
(discurso de Robert Kennedy, num comício em Indiana, a 4 de Abril de 1968, anunciando à multidão que Martin Luther King acabara de ser assassinado)

Quase tudo o que aconteceu na política americana nas últimas quatro décadas foi influenciado por três assassinatos a tiro, ocorridos em menos de cinco anos: o do Presidente John Kennedy, a 22 de Novembro de 1963; o do activista pelos direitos cívicos Martin Luther King, a 4 de Abril de 1968; e o do senador (e eventual nomeado do Partido Democrata às presidenciais de 68), Robert Kennedy, a 5 de Junho desse ano.

Na próxima quinta-feira completam-se, assim, 40 anos de um atentado que voltou a manchar de sangue a história da América.
Mais relevante do que a proximidade temporal entre os três acontecimentos, o facto de se tratarem de figuras que tinham em comum um perfil de ruptura, aliado a uma forte carga inspiradora, marcou decisivamente o que se passou a seguir.

Herdeiro do apelo sedutor do irmão, Bobby Kennedy esteve perto de chegar à Casa Branca, em 1968. A sua morte gerou uma crise profunda no Partido Democrata. Com a eleição de Richard Nixon, abriu-se, nesse ano, uma era de domínio republicano na Casa Branca que, de algum modo, ainda vigora.

Desde aí, só dois democratas se sentaram na Sala Oval — e sempre em condições muito específicas: Jimmy Carter só conseguiu um mandato, aproveitando a fragilidade do antecessor, Gerald Ford, que nem sequer foi eleito; e Bill Clinton só terá conseguido arrebatar a Casa Branca a Bush pai, em 1992, graças aos 19 por cento conseguidos pelo milionário Ross Perot, candidatura que retirou milhões de votos aos republicanos.

Aura mobilizadora
O sétimo dos nove filhos de Joe Kennedy e Rose Fitzgerald estava prestes a obter a nomeação democrata às presidenciais de 1968, após uma vitória folgada na Califórnia (onde derrotara Eugene McCarthy por 50-38).

Com um discurso anti-guerra do Vietname, Bobby apontava um caminho para uma nova fase da América: menos bélica, mais aberta a soluções de compromisso, defendendo uma plataforma de paz e justiça.

Jovem, ousado, portador de uma aura mobilizadora só comparável à do irmão John, Robert Kennedy é apontado como o mais influente procurador-geral da história americana (não por acaso, dá o nome ao edifício federal onde se situa a sede do Ministério da Justiça).

Aposta forte da administração de JFK — que elogiava o irmão dizendo que era «especialista em fazer avançar as coisas» — Bobby conduziu uma caça aos tentáculos da máfia, que o levou a receber o aviso para ter cuidado com «os rapazes de Chicago».

São lendárias as suas fricções com J. Edgar Hoover, o poderoso director do FBI, figura polémica que liderou o departamento de investigações do Estado americano durante 48 anos.

Causas ousadas
Senador por Nova Iorque entre 1965 e 68, Robert foi uma voz activa do Movimento dos Direitos Cívicos, que tinha Martin Luther King como rosto carismático.

Na sua caminhada para a Casa Branca, falava em temas avançados para o seu tempo, como as preocupações ambientais, propondo-se a devolver «a ética e a generosidade à América».

Sirhan Sirhan, um jordano de 24 anos, acabou com o sonho de voltar a eleger um Kennedy para a Casa Branca, alvejando a cabeça do senador, na cozinha do Hotel Ambassador, em Los Angeles, minutos após o discurso de vitória feito por Bobby.

A América voltava a sofrer um trauma profundo. E, mais uma vez, ficou sem saber as verdadeiras motivações da tragédia. Será sina?

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OBAMA TEM PROTECÇÃO ESPECIAL DOS SERVIÇOS SECRETOS
O perfil de risco do «Renegade»

Apesar das quatro décadas de distância, as semelhanças são preocupantes: tal como Robert Kennedy, Barack Obama é um candidato de alto risco.

Tal como Bobby, Barack fala em «acabar com as divisões». E em devolver a esperança aos americanos. E em pôr fim a uma guerra absurda (há 40 anos, era o Vietname, agora é o Iraque).

Tal como Bobby, Barack começou a corrida à nomeação contra o aparelho do Partido Democrata. E tal como RFK, Obama partiu atrás, mas chega à recta final com a nomeação quase garantida.

Mas há mais: Barack é um jovem senador, tal como era Bobby; tem o apoio maciço do eleitorado negro, como tinha Kennedy.

Ambos simbolizam o retomar do «sonho americano», em tempos pouco propícios à poesia. Bobby relançou sementes da esperança num eleitorado traumatizado pelas baixas da guerra e a cumprir o luto pelo assassinato de Martin Luther King.

Obama fala ao coração dos jovens, critica os milhões gastos no Iraque e atrai aqueles que se fartaram do business as usual de Washington.

Os Serviços Secretos têm o perfil tipificado e concederam, desde Maio de 2007, segurança especial a Obama. Na altura, Barack estava a 20 pontos de Hillary. Passado um ano, é praticamente certo que o Renegade (o nome de código atribuído ao senador do Illinois) será o escolhido dos democratas.

Vidro protector
após a nomeação

Logo que Obama obtenha oficialmente a nomeação, passará a ser o candidato mais protegido da história: além dos oito guarda-costas que o acompanham 24 horas por dia, será escudado por um vidro especial, à prova de bala, colocado à frente dos locais onde vier a discursar.

Serão estes cuidados exagerados? Bennie Thompson, líder do Comité de Segurança Interna do Congresso, acha que não. «O perfil do senador Obama suscita desafios únicos que merecem preocupação especial. Como negro e testemunha de alguns dos mais vergonhosos dias da nossa História, estou ciente de que o ódio de alguns dos nossos concidadãos pode resultar em infames actos de violência».

A escritora britânica Doris Lessing, Prémio Nobel da Literatura em 2007, foi mais longe nos receios: «Seria óptimo que Obama fosse Presidente, mas eles matam-no antes de lá chegar».

OS NOMES DE CÓDIGO
DOS PROTEGIDOS
DOS SERVIÇOS SECRETOS

Barack Obama — «Renegade»
Michelle Obama — «Renaissance»
Hillary Clinton — «Evergreen»
Bill Clinton — «Eagle» e «Elvis»
Chelsea Clinton -- «Energy»
George W. Bush -- «Tumbler» e «Trailblazer»
John Kennedy -- «Lancer» e «Dazzle»
Jacqueline Kennedy -- «Lace»
Ronald Reagan -- «Rawhide»

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Quem
O «OUTRO» KENNEDY
Robert Francis Kennedy nasceu a 20 de Novembro de 1925, em Brookline, Massachussets.
Herdeiro de uma das dinastias políticas mais fortes da América, era filho de um antigo embaixador norte-americano em Londres (Joe) e irmão de um delegado da Convenção Democrata em 1940, que morreu na II Guerra Mundial (Joseph Patrick Jr.), e do último Presidente assassinado (John Fitzgerald Kennedy).

Na verdade, a linhagem política dos Kennedy começara na geração anterior à do pai de Joseph, John e Bobby. O avô, Patrick Joseph Kennedy, foi uma importante figura da política de Boston, no início do século XX.

Depois de se ter formado em Direito pela Universidade da Virgínia (entrou em Harvard, mas interrompeu os estudos devido à II Guerra Mundial), Robert foi conselheiro no Senado norte-americano, em diferentes comités, durante os anos 50.
Quando o seu irmão chegou à Casa Branca, a escolha de Bobby para procurador-geral foi uma das apostas mais fortes. Eleito para o Senado em Novembro de 1964, a sua aura inspiradora de Robert quase o levou à Presidência dos Estados Unidos, na corrida de 1968 — mas um atentado no Hotel Ambassador acabou com o sonho.

4 comentários:

maloud disse...

Soube, quando fui almoçar a casa. Tinha 17 anos e andava no antigo 7ºano no Carolina Michaëlis. Foi a única vez que uma notícia política me fez chorar de raiva.

MARIA disse...

Também associo o ideário do " sonho" americano, do ponto de vista político, particularmente à família Kennedy.
O paralelismo entre as especiais necessidades de protecção desta família e dos problemas que a esse nível Obama terá que defrontar é muito lúcido e marcado pela perspicácia particular a que o Autor deste blog já nos veio habituando ao tratar estes temas.
Esperemos que neste domínio Obama saia e permaneça vitorioso também...

:-)
Maria

JF disse...

A legado dos Kennedy não se faz sentir só na América, mas também na Europa. Conceitos que para nós hoje são mais ou menos adquiridos como os consagrados na Civil Rights Act, tornaram-se bandeiras dos Kennedy, representados pela coraggem de Kennedy nos acontecimentos nas Universidades do Mississipi e Alabama.
Os discursos inspiradores destes dois excelentes políticos, levam ainda hoje muitos jovens a tentar perceber porque é que as gerações mais velhas falam tanto e tão apaixonadamente nos Kennedy.
Curiosamente, e porque a vida é muitas vezes feita de ironias, o representante do clã Kennedy, Ted Kennedy, soube-se este ano que está seriamente doente. Acho que Ted Kennedy ficará satisfeito por saber que há um novo homem na Casa Branca que representa, para as actuais gerações, uma esperança que já não se via desde JFK. Também é curioso que Caroline Kennedy, filha de JFK, tenha pela primeira vez assumido algum protagonismo na política com o apoio a Obama.
José Fernandes

P.S. Já agora muitos parabéns pelo seu excelente blog.

Germano Almeida disse...

Obrigado e bem-vindo a este blog. Aguardo por mais comentários seus. Apareça sempre que quiser.